21 de novembro de 2011

CARAVAGGIO

Michelangelo Merisi, “il Caravaggio”, hoje considerado um dos grandes expoentes do Barroco, passou séculos no anonimato da arte. Com a sua morte, o nome deste artista que havia revolucionado a Itália com a ousadia de suas obras durante a transição dos séculos XVI e XVII, refugiou-se no esquecimento.

A vocação de São Mateus, 1599-1600. Óleo sobre tela, 322 x 340 cm.


A sua pintura vibrante, profunda e intensa foi redescoberta apenas sobre finais do século XIX, quando Wolfgang Kallab trabalhava no catálogo da Coleção Imperial austríaca. Mais tarde, em 1920, o historiador da arte Roberto Longhi manifestou por escrito a sua opinião sobre a influência da pintura de Caravaggio, a qual, segundo ele, se estendeu além do século XVII: “as pessoas falam de Michelangelo de Caravaggio, chamando-o às vezes o mestre das sombras, às vezes o mestre da luz. O que é esquecido é que Ribera, Vermeer, la Tour e Rembrandt nunca teriam existido sem ele. E a arte de Delacroix, Courbet e Manet teria sido completamente diferente”, dissera.


Medusa, 1596. Óleo sobre madeira.

O uso da luz e da sombra é sem dúvida uma das marcas características deste artista, tanto, que o termo Tenebrismo (radicalização do claro-oscuro) é comumente associado ao seu nome. Através desta estratégia, Caravaggio dava vida ao realismo teatral que marcara a sua pintura, um realismo que ele gostava de enfatizar representando as cenas no instante mais dramático e expressivo possível. 

1 de novembro de 2011

O Realismo fotográfico de Léon-Agustin Lhermitte


O pintor francês Lhermitte (1844-1925) foi um dos grandes representantes do Realismo artístico do século XIX. Muito cedo na sua carreira, suas obras foram exibidas no Salão de Paris, e, pronto, ganhou o reconhecimento de seus contemporâneos, sendo admirado também por artistas como Rodin e Van Gogh.


Mulheres colhendo o feno, 1920. Óleo sobre tela.

O tema fundamental de seus desenhos e pinturas é a vida do campo, retratando cenas do trabalho e do cotidiano dos camponeses. A sua infância, vivida na zona rural da região de Picardie, deu a este artista um profundo sentido da natureza e a bagagem visual para a representação de suas obras.
O realismo com que representava era tal que muitas de suas pinturas poderiam ser comparadas a uma fotografia. Seus desenhos são de imagens cotidianas, espontâneas, nas quais as figuras representadas aparecem alheias aos olhos do observador, atuando com total naturalidade.

Colheitadores de feno, 1887. Óleo sobre tela.

O uso da cor é sutil, delicado. Assim como as tonalidades cálidas, as pinceladas suaves da maioria de suas pinturas transmitem serenidade. Contudo, a principal habilidade de Lhermitte se fez presente na forma de representar a luz, tão natural, tão morna, tão envolvente.

Pagando os colheitadores, 1892. Óleo sobre tela.

“Se todos os meses ‘Le Monde Illustré’ publicasse uma das suas composições...seria um grande prazer para mim seguir a sua publicação. É verdade que faz anos não vejo nada tão belo quanto esta cena de L’hermitte...Estou muito preocupado com L’hermitte esta noite para poder falar sobre outras coisas”

Vincent van Gogh

24 de outubro de 2011

Giovanni Boccaccio: narrativa poética nos tempos da peste



WATERHOUSE, John William. Um conto do Decamerão, 1916.

A epidemia de peste bubônica que devastou a cidade de Florença, em 1348, forneceu o cenário para a obra prima de Giovanni Boccaccio (1313-1375), O Decamerão. Trata-se de um conjunto de cem relatos, contados ao longo de dez dias consecutivos por sete moças e três rapazes que, reunidos numa vila nas cercanias da cidade, conseguem se abstrair da crueldade com a qual a peste acumulava mortes.
“No decorrer de quatro ou cinco meses morreram mais de cem mil pessoas”, contara Boccaccio. “Viu-se aos cidadãos fugir uns dos outros, ao vizinho permanecer indiferente a respeito da sorte do seu vizinho, aos parentes tendo medo de se encontrarem, ou encontrando-se ocasionalmente e de longe. O terror chegou ao ponto de um irmão abandonar o seu irmão, o tio ao sobrinho, a mulher ao marido, e, o que é pior ainda e quase impossível de acreditar, os pais e mães com medo de visitar e cuidar dos filhos”.
O grupo de jovens partiu de Florença ao amanhecer, o lugar escolhido se achava na cima de uma colina, rodeado de uma grande variedade de arvores e agradável vegetação. Ficava a menos de uma légua da cidade. “Na cima da colina se elevava um castelo [...] as habitações eram confortáveis e estavam decoradas com pinturas alegres. A vista se estendia sobre campos cheios de flores. Os jardins, nos quais serpenteavam arroios frescos e puros, ofereciam à visão o panorama mais variado”.
Assim, as penas e tristezas foram deixadas na cidade. Durante a sua estadia no campo, os jovens escolheram rir, cantar, comer e desfrutar do prazer de viver. Os dias começavam muito cedo, quando o grupo de dez se reunia nos parques do castelo para contar uns aos outros histórias deliciosas, cheias de humor, engenho e picardia. Os temas eram os mais diversos, quase todos relacionados ao mundo profano. Falavam do amor, da traição, da avareza, da inteligência e dos balanços da fortuna.
De acordo com a mentalidade antropocêntrica da época, os personagens relatavam experiências humanas, do mundo terreno, deixando em evidência os defeitos e virtudes dos homens. Estas características rompem com a tradição medieval e fazem de O Decamerão, um precursor do período moderno. No entanto, este livro é muito mais do que um clássico da literatura ocidental, muito mais do que o testemunho de uma sociedade e de uma nova concepção de mundo. É uma obra cuja narrativa dispensa adjetivos, simplesmente, seduz. Os cem relatos de Boccaccio são breves, porém sagazes e encantadores, capazes de nos roubar um sorriso espontâneo em mais de uma ocasião.

Citações traduzidas de original em espanhol.
BOCCACCIO, Giovanni. El Decamerón. 13a. edição. Mexico: Porrúa, 2007. 

17 de outubro de 2011

O impressionismo austríaco

Os tempos que antecederam à fundação da Secessão de Viena (1897) já prenunciavam as mudanças artísticas no ambiente cultural austríaco. O pintor Rudolph von Alt foi, nos últimos anos da sua carreira, um dos grandes representantes do espírito impressionista que nascia nas terras do imperador Francisco José. Junto com ele, se destacaram nomes como Theodor von Hörmann, August von Pettenkofen, Olga Wisinger-Florian, Carl Moll, Emil Jacob Schindler e Tina Blau, entre outros.
WISINGER-FLORIAN, Olga. Paisagem com ferrovia (esquerda), 1890. HÖRMANN, Theodor von. Verão no jardim (direita), 1892.
Estes pintores foram inspirados por trabalhos de artistas da Escola de Barbizon e da Escola da Haia, desenvolvendo assim um interesse pela natureza, pelas paisagens, pela pintura in situ. Logo se posicionaram contra a tradição da arte acadêmica vienense, forjando o seu ponto de vista artístico independente e ganhando posteriormente o respeito e reconhecimento dos secessionistas.
MOLL, Carl. Em Schönbrunn (esquerda), 1910-11. BLAU, Tina. Landsberg (direita), 1885.
Gostavam de representar em suas telas a interação da luz na paisagem, tanto no decorrer do dia como nas diferentes estações do ano, experimentando com as variações de tonalidades dos objetos ao refleti-la. Buscavam a autonomia da cor e da forma e representavam a realidade sensível à visão, tornando-a uma impressão única, momentânea e impossível de ser repetida.
WISINGER-FLORIAN, Olga. Pousada em Karlsbad, 1895.

Pouco se conhece sobre os artistas impressionistas austríacos. As suas obras foram pintadas paralelamente às do impressionismo francês, mas não tiveram a mesma difusão. A ampla maioria delas se encontra hoje no Museu Leopold da cidade de Viena, e é uma experiência muito gratificante pode-las conhecer. 

11 de outubro de 2011

“Matisse, Cézanne, Picasso...a aventura dos Stein”

A exibição que esta sendo realizada no Grand Palais de Paris apresenta a notável coleção de obras de arte moderna reunida pelos Stein, uma família abastada da sociedade norteamericana, originária de Pensilvânia, que se radicara em Paris no início do século XX. Os irmãos Leo, Gertrude e Michael Stein, junto à esposa deste último, Sara, foram grandes patrocinadores de artistas como Renoir, Cézanne, Picasso, Matisse e Bonnard, entre outros.
Além da oportunidade singular de ver reunido num único espaço o conjunto desta coleção, a exposição também aproxima o visitante da vida da família Stein. Em cada uma das salas da exibição se oferece, num pequeno canto especialmente destinado para esta função, histórias referentes aos irmãos Stein e a sua vinculação com os artistas apresentados, com textos, fotos, filmes e publicações que permitem um contato mais próximo com os membros desta família e com o contexto de produção das obras expostas.
A história começa com Leo Stein e seu estabelecimento na cidade de Paris, em 1902. Foi o seu grande interesse pela arte o que motivou a “aventura” desta família de colecionadores e patrocinadores de artistas. Primeiramente interessado nas obras de Cézanne, Leo logo centrou a sua atenção nos trabalhos de Picasso, Matisse e Renoir. Assim, no início da exibição se apresentam algumas litografias de Cézanne - versões de suas banhistas - e várias pinturas destes outros artistas, entre as quais se destacam o excêntrico colorido de “Mulher com chapéu”, de Henri Matisse, e a sobriedade de “Rapaz conduzindo cavalo”, de Pablo Picasso.
MATISSE, Henri. "Mulher com chapéu" (esquerda), 1905. PICASSO, Pablo. "Rapaz conduzindo cavalo" (direita), 1906.
Duas salas da exposição são dedicadas a Gertrude Stein, a caçula da família, que em 1903 se instala em Paris junto a seu irmão Leo. Com ele, montam uma galeria privada de arte moderna, localizada na 27 Rue de Fleurus, a qual em 1906 já contava com obras de Renoir, Picasso, Cézanne, Matisse, Toulouse-Lautrec, Bonnard e Manguin. Matisse e Picasso eram freqüentadores assíduos do circulo social da família e das tradicionais noites de sábado, celebradas nesta galeria. No espaço destinado a Gertrude sobressai o “Auto-retrato” e “Nu à la Serviette”, de Pablo Picasso.  

PICASSO, Pablo. "Auto-retrato" (esquerda), 1906. "Nu à la serviette" (direita), 1907.
A maior parte das obras de Matisse é apresentada na ampla sala destinada a Michael e Sara Stein, grandes amigos do artista. Aqui, pode ser apreciada não somente a magia das tonalidades das pinturas deste artista como também alguns de seus trabalhos em escultura. Igualmente, são exibidas obras de Cézanne, Picasso e Manguin. Merecem destaque as obras “Chá no jardim”, de Henri Matisse, e “Mulher melancólica”, do período azul de Pablo Picasso.


MATISSE, Henri. "Chá no jardim" (esquerda), 1919. PICASSO, Pablo. "Mulher melancólica" (direita), 1902.
A exposição foi organizada conjuntamente pelo Rmn-Grand Palais, pelo Museu de Arte Moderna de São Francisco e pelo Metropolitan Museum de Nova York. Foi exibida na cidade de São Francisco entre maio e setembro deste ano. Já no Grand Palais de Paris vai ficar até 16 de janeiro de 2012, quando continuará viagem para Nova York, onde será apresentada entre o 1 de fevereiro e o 3 de Junho desse mesmo ano. Para quem tiver a oportunidade, é uma exibição única que, merece, e muito, ser visitada.

Mais informações: 
http://www.met.org/ (Nova York - ainda não está sendo anunciada)

28 de setembro de 2011

Por que se interessar pela arte?


As obras de arte são, sem dúvida, uma das formas mais concretas de entrar em contato com aquilo que somos e fomos como seres humanos. Elas estabelecem uma ponte na relação com o que pensamos, acreditamos e valorizamos como grupo coletivo ao longo do tempo. Elas nos ligam às origens, nos permitem viajar a outras temporalidades e nos relacionar com outras sociedades que, de uma forma ou outra, estão ligadas à nossa história.
Acredito que, tanto quando visitamos um museu e nos vinculamos diretamente com alguma peça de arte quanto quando lemos ou pesquisamos sobre determinadas obras e artistas, vamos desvendando a árvore genealógica da nossa humanidade, fazendo as conexões “familiares” que nos unem a outros indivíduos, outros povos, outras culturas.
H.W.Janson define a obra de arte como um objeto estético feito para ser visto e apreciado pelo seu valor intrínseco. Assim, o contato dependerá não apenas da sensibilidade e do preparo visual do observador, mas também da sua bagagem cultural. Olhar para a arte procurando essa ligação com a nossa história pede, parafraseando Erwin Panofsky, uma determinada instrução sobre as circunstâncias em que os objetos artísticos foram produzidos.
A arte não é uma criação isolada, a arte é fruto de um tempo e de um espaço, com os quais precisou interagir e se relacionar e dos quais apreendeu o sentido e o significado. Os objetos artísticos foram, são e serão realizados, encomendados e apreciados por pessoas inseridas em um determinado contexto social, político, econômico, religioso e estético, do qual não podem se desligar nem se tornar alheios. A arte reflete o mundo no qual foi produzida. Portanto, estudar a arte e conhecer a sua história é aceitar a diversidade, a pluralidade cultural, é nos relacionar com outras sociedades na linha do tempo, mas, sobretudo, é enriquecer o leque do nosso próprio conhecimento como representantes da humanidade.